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Um menino e a sociedade toda

Sobre a situação que envolve aquela Professora de Santa Catarina, um menino e uma sociedade toda.


Tem algo que a gente aprende na experiência prática no campo da saúde pública: situações e necessidades complexas demandam respostas complexas. Parece óbvio, mas isso significa, dentre outras coisas, mudar a racionalidade e a própria forma de se relacionar com o mundo. Por exemplo, e digo a partir especificamente da saúde mental, significa recusar a causalidade linear de problema-solução para olhar as questões que se apresentam a partir da rede de relações de possibilidades-probabilidades. Significa reconhecer que as pessoas se expressam de diferentes formas em diferentes relações e em diferentes contextos. Significa buscar constantemente se aproximar das histórias de vida das pessoas, sabendo que essas são múltiplas e singulares. Significa saber que essas histórias de vida estão conectadas com as histórias de outros, de coletivos e de territórios – e que a princípio nada sabemos sobre elas. Significa buscar traçar os percursos e itinerários que os sujeitos realizaram até chegarem até nós ou até alguma situação. Significa reconhecer e compreender as redes de relação e os jogos de poder que se manifestam nas situações. Significa refletir sobre a dinâmica das relações sociais, da produção de normas sociais e dos papeis sociais assumidos ou designados para as pessoas. Significa afetar e deixar ser afetado.


Essas são premissas fundamentais que podem ser tomadas por um campo alargado sem o risco de racionalizar questões sociais aos parâmetros do campo específico da saúde. E se tomarmos esse conjunto de questões para pensarmos sobre a tal situação que envolve a professora de Santa Catarina, um menino e uma sociedade toda, teremos que responder ainda a diversas outras questões antes de formularmos respostas apressadas e simplistas – que é o que está acontecendo.


A promotora declarou que esse garoto de 15 anos terá uma “pena mais dura”. O delegado, que “há um clamor muito forte para que a investigação avance”. O conselheiro tutelar, que “já precisou de encaminhamentos anteriores”. Apenas por essas 18 palavras anunciadas já é possível notar a lógica e o horizonte do raciocínio, o papel da sociedade e o momento de restrição de quem é esse garoto pelo poder público a uma certa identidade, além de ser possível imaginar qual será o destino dele.


Não se sabe como ele se expressa em diferentes contextos e relações, qual sua história de vida, em que condições materiais, afetivas e subjetivas vive, qual sua experiência de relações no mundo, quais possibilidades foram oferecidas para ele em sua história... E essas mesmas questões valem para todos os envolvidos... Não se questiona o que é a instituição escolar, que sujeitos essa instituição produz – professores e alunos –, qual a responsabilidade e o papel do poder público nessa história... Não se questionam as relações sociais construídas, as diferenças de poder, o contexto social e político em que essa situação se desenrola.


E, claro, que a situação é uma situação crítica que demanda respostas. Claro que não é aceitável que um estudante se manifeste em uma relação com um professor de modo agressivo – assim como o contrário também não deveria ser tolerado. A questão é que a resposta, bem como o entendimento, não pode ser simplista. E, sim, é preciso responsabilização pela situação por parte do garoto, mas essa pode se dar em outros termos – que não os restritos a um modelo penal. Esse outro caminho passa pela responsabilização subjetiva, pela reparação, pela ressignificação e repactuação das relações, envolvendo a todos. É um caminho mais interessante e ético. E cabe a nós, enquanto sociedade, sustentar isso.



 
 
 

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