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Tradução de línguas

Lembrei-me de uma história curiosa sobre tradução entre línguas mal feita.

Antes de contar, vale dizer que tenho para mim que falar em uma língua não nativa com sotaque e mesmo cometer pequenos erros que não inviabilizam a comunicação não é nenhum problema. Inclusive, caçoar de sotaque é um tanto colonialista. A pessoa já está se dispondo e se arriscando em falar em uma língua que não é a sua língua materna. Cabe também ao interlocutor que está falando em sua língua materna uma atitude de compreensão.

Agora, o problema é quando a pessoa traduz um termo ou uma frase de tal modo equivocado que o sentido se torna diferente do que se pretende comunicar e insiste na tradução...


Bem, quando eu estava na Coréia do Sul em um trabalho com a OMS tive uma conversa curiosa com o Soumitra Pathare, um professor e pesquisador indiano que coordena um curso de saúde mental e direitos humanos e tem um importante papel na elaboração na ótima lei de saúde mental recentemente promulgada na Índia. Estávamos conversando sobre a atual situação brasileira e, papo vai papo vem, começamos a falar sobre o problema das milícias. Ele tinha alguma noção sobre o que eram as milícias (usualmente as pessoas as comparam com as máfias) e sabia de suas práticas violentas. Pois bem, eu falava sobre o poder de infiltração das milícias em diferentes instituições e eis que ele me fala que sabia disso porque um aluno brasileiro miliciano participou do curso que ele coordena.


Eu escutei aquilo e pensei: “isso aí é tá esquisito”.


Parei de falar sobre o Brasil e pedi para ele repetir o que tinha dito – talvez eu não tivesse entendido direito. Daí ele falou a exata mesma coisa de um jeito diferente, afirmando que na época ele tinha ficado espantado em saber que ele tinha um aluno brasileiro que era parte da milícia. Então eu respondi que me causava estranhamento a informação porque isso não fazia o menor sentido, pois, por que raios alguém que pertence à milícia iria até a Índia fazer um curso sobre saúde mental e direitos humanos e ainda por cima se identificaria assim?


Daí que ele me responde: “He kept telling me: I'm a militant! I'm a militant!”.


Bem, evidentemente que a pessoa queria dizer que era militante da luta antimanicomial. O problema é que a palavra “militant” como adjetivo próprio na língua inglesa carrega um forte sentido de uma atitude de combate agressiva e que usualmente faz uso da força para sustentar algo. A palavra até tem uma definição mais ampla, que inclui a de uma posição firme e intransigente em relação a ideais e posições, mas com algum componente de extremismo. Inclusive, nas últimas décadas a palavra “militant” vem sendo utilizada como adjetivo para identificar membros do Estado Islâmico... Bem, daí a associação: um "militant" pertencente à sociedade civil é parte de um grupo paralelo ao Estado e que faz uso da força e violência... que pode ser a milícia.


Enfim, a palavra não tem o sentido de militância que tem para nós, que é de envolvimento e suporte de uma causa social e política. Para dar o sentido de militância a pessoa teria que ter dito: “I’am an activist!”. Ou mesmo explicar o que ele queria dizer com aquilo.


Teria evitado um desentendimento enorme.

 
 
 

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