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Setembro Amarelo

Setembro é o mês em que aqui e ali se fala sobre prevenção ao suicídio e, antes de o mês acabar, dou minha contribuição ao debate relembrando (ou apresentando, para os que não conhecem) resultados fantásticos revelados em pesquisas recentes sobre um modo de tratamento que é muito eficaz na prevenção de mortes por suicídio.

Vale dizer: conhecer essa maneira de tratar as pessoas é importante, ainda mais agora que as taxas de mortes por suicídio aumentaram no Brasil (sim, aumentaram... e uma provável explicação para esse aumento está mais abaixo).

Bem, a primeira pesquisa envolveu 5.507 municípios brasileiros e analisou a tendência das taxas de suicídio entre 2002 e 2012 em razão do recebimento de uma forma de tratamento que envolveu cerca de 14 milhões de famílias. Os resultados mostraram uma acentuada redução das mortes por suicídio associada a essa forma de tratar as pessoas e revelaram que os efeitos na redução da taxa são ainda mais fortes nos municípios que contam com maior cobertura e com maior tempo (três anos ou mais) desse modo de tratamento das pessoas. Como era de se esperar, esse estudo também mostrou que há uma redução das hospitalizações por tentativas de suicídio nessa enorme população estudada.


Mas que tratamento fantástico é esse dado as pessoas que reduz as mortes por suicídio?

É um bem conhecido, mas não muito em voga ultimamente: tratar as pessoas com dignidade e garantir condições materiais mínimas para viverem. Para sermos mais específicos, o que a pesquisa de Alves et al analisou foram os impactos de um programa de transferência de renda instituído no governo Lula, o Bolsa Família, nas taxas de suicídio. E o que a pesquisa verificou é que há uma relação significativa entre os municípios com maior cobertura do Bolsa Família, ou seja, locais onde mais famílias têm acesso à renda por meio desse benefício, e a redução das taxas de morte por suicídio. A correlação é tão forte que o que se observou é que a diminuição das taxas foi maior entre as mulheres – lembram quem é preferencialmente o beneficiário do Bolsa Família?


O Bolsa Família sabidamente impacta nas condições socioeconômicas, tendo havido redução da pobreza em 26%, aumento da taxa de emprego em 7% e diminuição de baixos níveis de escolaridade em 21%, e impacta nas relações sociais, sendo notáveis estudos que apontam o empoderamento das mulheres e o aumento de seu poder de decisão nas comunidades após a implementação desse programa. E estes são todos fatores que reduzem as taxas de suicídio.

Aliás, o reconhecimento de que programas de transferência de renda são, também, políticas de prevenção ao suicídio não é algo só visto no Brasil. Na Indonésia as taxas de suicídio caíram 10% depois de implementação de programa do tipo.


Mas tem ainda uma outra pesquisa que vale mencionar. Essa estudou os fatores de risco e de proteção ao suicídio nos municípios brasileiros. Em resumo, foi identificado apenas um fator de proteção que reduz o risco de suicídio. Apenas um fator e, vejam só, esse único fator reduz em 14% o risco de suicídio.


E qual fator impressionante é esse?


A presença de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no município. Ou seja, a existência de um serviço de saúde mental público, territorial, de portas abertas e de referência para as pessoas de uma comunidade que atua ativamente nas demandas de saúde mental de seu território de abrangência.

Frise-se isso: não é fator de proteção haver um serviço qualquer de saúde mental; o que importa é o que esse serviço faz, como se relaciona com as pessoas e como acolhe as necessidades de saúde mental continuamente no território. Os CAPS são serviços que entendem que garantia de cuidado é direito e que garantia de direitos é cuidado, atuando nas múltiplas dimensões da vida e promovendo a cidadania das pessoas. Isto que é essencial e que, quando presente no município, é fator de proteção. E, diga-se de passagem, os CAPS tiveram implementação exponencial nos anos do governo Lula.


Mas, como dito antes, as taxas de suicídio no Brasil aumentaram entre 2010 e 2017...


Bem, para entender esse dado é preciso colocar uma lupa nesse período. Ao fazer isso, Machado et al mostram que há uma diferença significativa na tendência de aumento entre 2010 e 2014 e 2014 e 2017 e, como exemplo, demonstram que o aumento na taxa de suicídio nos quatro primeiros anos analisados foi de 4,9% no Norte e 10,5% no Nordeste, enquanto entre 2014 e 2017 o aumento nas taxas foi de 22% no Norte e 17% no Nordeste.


O que aconteceu a partir de 2014?


Início da recessão econômica e de implementação de políticas de austeridade.

Surpreendente? Não, porque sabemos que há uma conhecida relação entre recessão econômica e risco de suicídio, como apontado na literatura. Mas é chocante constatar esse dado, ainda mais quando sabemos que é possível prevenir suicídio e, como as pesquisas citadas apontam, sabemos como fazer isso.


É preciso aprofundar as explicações sobre o aumento da taxa e incrementar estratégias de prevenção ao suicídio? Sem dúvida. Mas lembremos que a gente já tem uma boa ideia de qual caminho é esse – caminho muito diferente do que o insistido na tal campanha ‘setembro amarelo’.

Que bom que nesse mês de setembro muito se falou sobre prevenção ao suicídio. E melhor ainda que o tom foi frequentemente crítico e reconhecendo que prevenção ao suicídio se faz com o fortalecimento de cobertura de atenção psicossocial territorial em um sistema universal de saúde e com a promoção de políticas públicas intersetoriais.


A maneira como o Estado precisa tratar as pessoas é reconhecendo a dignidade humana e garantindo meios para que vivam bem. É sobre este tratamento que precisamos falar em setembro e em todos os outros meses para a prevenção de mortes por suicídio.

.....

Para quem quiser saber mais:

Alves, F.J.O., Machado, D.B. & Barreto, M.L. Effect of the Brazilian cash transfer programme on suicide rates: a longitudinal analysis of the Brazilian municipalities. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 54, 599–606 (2019).

McDonald, K., Machado, D. B., Castro-de-Araujo, L. F. S., Kiss, L., Palfreyman, A., Barreto, M. L., … Lewis, G. Trends in method-specific suicide in Brazil from 2000 to 2017. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 56(10), 1779–1790 (2021).


 
 
 

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