Riscos associados à internação involuntária em hospitais psiquiátricos
- claudiabraga10
- 30 de nov. de 2019
- 3 min de leitura
Na edição de dezembro da The Lancet Psychiatry, um periódico de destaque na saúde mental do mundo, foi publicado um artigo sobre os fatores de risco associados à internação involuntária em hospitais psiquiátricos. Em uma revisão sistemática da literatura, esse estudo incluiu na análise 77 pesquisas de 22 países diferentes (incluindo o Brasil). Os resultados apontaram como fatores de risco: ser solteiro, desempregado, morar sozinho (seguido por estar em situação de rua, que é possivelmente o caso de países de baixa renda), ter recebido um diagnóstico psiquiátrico anteriormente e já ter passado por uma internação involuntária em um hospital psiquiátrico.
O que isso tem de interessante?
O artigo aponta como fatores exatamente aquilo que conhecemos por prática e que já está descrito na literatura da perspectiva da desinstitucionalização. De um lado, são fatores de risco para a internação: ter frágil ou nula rede social e de suporte, não ter oportunidade de trabalho e/ou de obtenção de renda, e estar em uma condição de maior fragilidade em sua moradia ou mesmo não ter aonde morar. De outro, ter a si atribuído um diagnóstico psiquiátrico e a si sido imposta uma internação, dada que é involuntária, em um hospital psiquiátrico; o ponto central aqui é: uma vez que a uma pessoa já foi atribuído um diagnóstico psiquiátrico - que funciona como uma etiqueta - e ela foi internada, as chances de ela voltar a ter novas internações, com possibilidade de institucionalização, são maiores.
Ou seja, a internação está relacionada às condições de vulnerabilidade e à miséria de vida e, também, à continuidade da existência de hospitais psiquiátricos.
O que é preciso fazer então?
Ora, já sabemos de longa data: fechar hospitais psiquiátricos, dado que estas instituições não são lugares de cuidado, e criar nos territórios reais de vida, na comunidade, oportunidades de ampliação e fortalecimento de redes sociais, de ter trabalho e renda, e de viver em uma moradia digna. Um trabalho que tem como ponto de partida e horizonte a afirmação da liberdade e dos direitos e que se funda, na síntese triestina, em amigos, trabalho e casa.
A pergunta então é: por que ainda não fizemos?
E é aí que a coisa fica interessante.
Em uma leitura crítica, que o artigo não faz, seria necessário avançar nessa análise sobre os fatores de risco tratando das estreitas normas sociais, da situação de dependência recíprocas entre as instituições para manutenção do controle social, e da função de segregação e custódia pelos hospitais psiquiátricos daquilo que é considerado desvio das normas sociais em uma certa época. Para transformar o cenário de internações involuntárias é preciso colocar em questão a própria psiquiatria e o que ela, enquanto paradigma, produz - incluindo seus aparatos científicos! É preciso reconhecer que há um circuito de controle (um conceito elaborado há décadas por Basaglia) que é produzido socialmente por quem detém poder e que mantém o controle das pessoas que são consideradas desviantes das normas sociais - essas com baixo ou nulo poder de contrato social.
O artigo publicado na The Lancet Psychiatry é bom no que se propõe. Mas tem como importante limitação não fazer análises críticas, assumindo um posicionamento cômodo ao afirmar na conclusão que são necessárias outras pesquisas para elucidar os mecanismos desses fatores de riscos - quando já sabemos bastante bem quais são e como funcionam. Ainda assim, vale a leitura.
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