top of page
Buscar

Relações que (não) cuidam e mortes por suicídio


Anthony Bourdain morreu.


Mortes por suicídio sempre causam perplexidade. Em um momento, parece que tudo muda.

É compreensível que as pessoas tentem buscar traçar uma rede de causalidades, elencando fatos, acontecimentos e hipóteses. No entanto, para além de essa ser uma missão no limite impossível – a experiência humana é sempre mais complexa e inserida em um processo histórico -, não costuma ser frutífera. Em primeiro lugar, porque, ao final, não dá contorno para a dor. Em segundo, porque há sempre um contexto social ampliado envolvido, e é sobre esse contexto que precisamos nos focar e falar sobre, inclusive para prevenir mortes por suicídio.

Mais importante do que se perguntar sobre “por quê” de uma pessoa, é se perguntar “como” criar relações cotidianas no tecido social que cuidam.


(Aqui vale um comentário à parte: tenha responsabilidade e não pergunte sobre o “como” e nem passe adiante notícias que relatem o “como”. Espalhar métodos tende a ampliar o número de mortes por suicídio).


As relações que cuidam são as relações éticas, empáticas e solidárias. Relações que têm abertura para escutar o outro em sua alteridade, em seu sofrimento. Relações em que é possível falar abertamente sobre sofrimentos e em que não se omite quando o outro fala de seu sofrimento. Trata-se fundamentalmente de acolher o outro, de colocar-se na relação.

E isso envolve uma sociedade inteira. Uma cidade que cuida.

Em relações que cuidam, se um alguém não souber o que fazer diante da intensidade do sofrimento do outro, é possível acionar redes de cuidado – outras pessoas, profissionais de saúde mental, serviços de base territorial – ampliando e agenciando uma rede de dependência de relações. Em saúde mental uma rede de dependência de relações alargada é importante, pois uma pessoa pode recorrer a diferentes pontos dessa rede quando necessário.

Um ponto fundamental nessa rede são os serviços de saúde mental que, de fato, promovem e garantem cuidado.


Considerando o cenário brasileiro, em 2017 foi publicado um relatório em que mostra que nos municípios que contam com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são os serviços estratégicos de saúde mental, o risco de suicídio era reduzido em 14%. Muito possivelmente isso está profundamente relacionado com o fato de esses serviços serem de base territorial, serem “portas abertas” e terem uma relação com todo território no qual o serviço está inserido – apenas para início de conversa. Isso é muito significativo. De um lado, significa que os governos por um dever ético devem investir na expansão de uma rede de atenção psicossocial focada em serviços de base territorial e substitutivos ao de lógica asilar (como os manicômios). E de outro significa que os CAPS têm uma responsabilidade importante nos territórios de abrangência, podendo ser vértices na transformação de um tecido social para a construção dessa sociedade que cuida.


 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
Golpistas são loucos?

Essas pessoas que estão nas ruas e nos quartéis são doidas? Vamos lá, me acompanha (na mesma linguagem que está sendo utilizada para não...

 
 
 

Comentarios


Saúde Mental Global
Estudos e Pesquisas em Saúde Mental, Drogas e Desinstitucionalização 

Terapia Ocupacional - FMUSP
R. Cipotânea, 51

Cidade Universitária

São Paulo - SP, 05360-160

claudia.braga@usp.br

© 2024 by Karina Nishioka. Powered and secured by Wix

bottom of page