Relações que (não) cuidam e mortes por suicídio
- claudiabraga10
- 8 de jun. de 2018
- 2 min de leitura
Anthony Bourdain morreu.
Mortes por suicídio sempre causam perplexidade. Em um momento, parece que tudo muda.
É compreensível que as pessoas tentem buscar traçar uma rede de causalidades, elencando fatos, acontecimentos e hipóteses. No entanto, para além de essa ser uma missão no limite impossível – a experiência humana é sempre mais complexa e inserida em um processo histórico -, não costuma ser frutífera. Em primeiro lugar, porque, ao final, não dá contorno para a dor. Em segundo, porque há sempre um contexto social ampliado envolvido, e é sobre esse contexto que precisamos nos focar e falar sobre, inclusive para prevenir mortes por suicídio.
Mais importante do que se perguntar sobre “por quê” de uma pessoa, é se perguntar “como” criar relações cotidianas no tecido social que cuidam.
(Aqui vale um comentário à parte: tenha responsabilidade e não pergunte sobre o “como” e nem passe adiante notícias que relatem o “como”. Espalhar métodos tende a ampliar o número de mortes por suicídio).
As relações que cuidam são as relações éticas, empáticas e solidárias. Relações que têm abertura para escutar o outro em sua alteridade, em seu sofrimento. Relações em que é possível falar abertamente sobre sofrimentos e em que não se omite quando o outro fala de seu sofrimento. Trata-se fundamentalmente de acolher o outro, de colocar-se na relação.
E isso envolve uma sociedade inteira. Uma cidade que cuida.
Em relações que cuidam, se um alguém não souber o que fazer diante da intensidade do sofrimento do outro, é possível acionar redes de cuidado – outras pessoas, profissionais de saúde mental, serviços de base territorial – ampliando e agenciando uma rede de dependência de relações. Em saúde mental uma rede de dependência de relações alargada é importante, pois uma pessoa pode recorrer a diferentes pontos dessa rede quando necessário.
Um ponto fundamental nessa rede são os serviços de saúde mental que, de fato, promovem e garantem cuidado.
Considerando o cenário brasileiro, em 2017 foi publicado um relatório em que mostra que nos municípios que contam com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são os serviços estratégicos de saúde mental, o risco de suicídio era reduzido em 14%. Muito possivelmente isso está profundamente relacionado com o fato de esses serviços serem de base territorial, serem “portas abertas” e terem uma relação com todo território no qual o serviço está inserido – apenas para início de conversa. Isso é muito significativo. De um lado, significa que os governos por um dever ético devem investir na expansão de uma rede de atenção psicossocial focada em serviços de base territorial e substitutivos ao de lógica asilar (como os manicômios). E de outro significa que os CAPS têm uma responsabilidade importante nos territórios de abrangência, podendo ser vértices na transformação de um tecido social para a construção dessa sociedade que cuida.
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