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Quem nos interessa são os capitães da areia


Por olhos menos voltados para um capitão reformado e mais atentos aos capitães da areia.

Eles são muitos pelo Brasil. Todo mundo já encontrou alguns. Aqui nas praias do Rio de Janeiro cruzei com alguns deles.

Tinha um que carregava uma sacola de biscoitos Globo maior do que o seu tamanho. Devia ter uns 8 anos, mas era mirrado como um garoto de 6 anos. Já tinha passado das 18h quando ele pediu que eu comprasse o que faltava para ele preencher sua cota e poder ir para casa. Férias? O que é isso? E o que são aulas, em uma cidade em que as escolas ficam fechadas por dias por causa de trocas de tiros?

Um outro garoto, de uns 16 ou 17 anos, vendia mate com limão. Carregava dois tonéis: 10 litros de mate gelado no ombro direito e 10 litros de limão no ombro esquerdo. Debaixo dos pés sem chinelo uma areia fofa escaldante e na cabeça o sol de 38 graus. Conta que chegou ali por Copacabana por volta das 16h. Já estava exausto de caminhar entre Copacabana e Leme vendendo mate. No Rio o pôr do sol é às 20h e mesmo depois disso a praia não para. Que Ministério do Trabalho o protegeria ou o teria protegido?

Tem uma adolescente que todos os dia chega cedo na barraca de praia para trabalhar e fica lá até fechar. Isso dá umas 12 horas de jornada de trabalho. Entre anotar pedidos, transportar cadeiras e levar caipirinhas ela tem que se desviar de olhares e fingir não escutar o que homens falam. Sabe na pele que é vazio o debate em torno da cor da roupa - rosa ou azul - quando o contra argumento a isso é simplificado em um adulto vestir uma peça de roupa, tirar uma foto e postar na internet. Sabe na pele que o que está em jogo é a opressão e que o problema consiste no que é oferecido e negado de possibilidade de ser no mundo por uma questão de gênero.

E também tinha um outro menino, muito pequeno, que no final do dia estava no calçadão com um homem mais velho (talvez seu pai) amassando latinhas recolhidas da praia. Para quem não sabe, um kilo de latinhas vale R$ 2,00. No saco que ele portava não devia ter mais de três kilos. Qual o grau de importância da discussão sobre o fator previdenciário para esse menino? Por uma regra ou outra, se seguir o destino daquele que o acompanhava, qual a chance de ele se aposentar?

São muitos os capitães da areia, que também estão nas cidades, no campo e nas matas. Discutir política e políticas públicas é essencial, mas não é possível perder de vista que quando falamos de política estamos falando de violação ou produção de cidadania e de que políticas públicas são sobre pessoas. Importa pensar os destinos desses meninos e meninas, olhar para eles e a partir disso - de experiências reais - abrir outras rotas para seus destinos que tenham a dignidade humana e a justiça social como pontos de partida.

 
 
 

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