Levantados da terra, levantado do chão
- claudiabraga10
- 18 de set. de 2018
- 2 min de leitura
Recentemente terminei de ler o livro Levantado do Chão, de José Saramago. Para mim, um dos melhores livros dele. Nessa obra ele narra em um arco histórico a vida e a luta de um povo, em Alentejo, na relação com forças de opressão, como o latifúndio. Tendo as gerações da família de sobrenome Mau-Tempo como fio condutor da história, a gente vai conhecendo as forças de opressão que se renovam e os gestos e ações individuais e coletivas que faz um povo se levantar do chão: na recusa do esmagamento pela opressão, as pessoas se levantam contra a opressão. Não é um ou outro gesto específico. Não há um ou outro momento preciso. É uma luta contínua pela dignidade humana.
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Me parece que em tempos atuais é preciso relembrar isso. Não se transforma um arranjo ou fenômeno social que é construído em um arco sócio histórico com um único ato. O que quero dizer é que as eleições, independentemente dos resultados, não vão resolver esse fenômeno que é o bolsonarismo e que tem um representante simbólico que pode muito bem ser substituído por outra figura.
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Na família Mau-Tempo, uma família de portugueses, de tempos em tempos acontece de alguém que nasce ter olhos azuis. Ainda no começo do livro ficamos sabendo de onde vem esses olhos azuis: é pelo estupro de uma mulher por um latifundiário, que tinha olhos azuis. A marca da violência, da opressão, do latifúndio é carregada no corpo, de geração em geração, e algumas vezes se expressa visivelmente (os olhos azuis estão lá, escancarados no rosto), e em outras está escamoteada nos genes.
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O autoritarismo e a violência enquanto gestos da sociedade brasileira sempre estiveram aí - por vezes e para alguns mais escancarados, e em outras vezes e para outros mais escamoteados. Agora estão aí de novo, visíveis, escancarados para todos, devorando o que vem pela frente e atingindo corpos que antes não lidavam em seu cotidiano com isso. Transformar isso requer muitos gestos e muitas ações.
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Essa foto é de Sebastião Salgado e está na obra Terra, que conta com um prefácio de Saramago. Para essa mesma obra Chico Buarque e Milton Nascimento compuseram uma das mais belas canções da música brasileira: Levantados do Chão, música dedicada aos sem-terra e à sua luta por terra e por dignidade. Isso foi em 1997. A luta continua ainda hoje.
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