Farinha pouca, meu pirão primeiro
- claudiabraga10
- 22 de jan. de 2021
- 2 min de leitura
Está aí um provérbio da sabedoria nordestina que define bem a sociedade brasileira.
Finalmente a vacinação começou. Desde então, muitos profissionais de saúde receberam muito justamente a vacina. Celebremos isso!
Porém, afinal nesse país de privilégios e de classes há sempre um porém, injustiças correm soltas. Há pontualmente situações de filhos de políticos sendo nomeados às pressas para unidades de saúde para receber a vacina e alterações no calendário para garantir vacina para parentes de secretário de saúde. É a elite sendo elite.
E de forma mais generalizada temos visto situações complicadíssimas na enorme categoria de profissionais da saúde em relação a quem está tendo acesso à vacina primeiro.
Há quem trabalhe de casa desde o início da pandemia recebendo vacina, há quem mesmo não tendo atendido um único caso de covid a recebeu apenas porque tem um vínculo tangencial com o enorme complexo do Hospital das Clínicas (e eu estou sendo generosa em afirmar que o vínculo é tangencial) e há as escolhas impossíveis sendo feitas pelos gestores de unidades de saúde sobre quem irá tomar a vacina: qual categoria profissional deve tomar a vacina primeiro e por que?
Alguns gestores têm optado por priorizar os médicos, muitos dos quais vão 2 ou 3 vezes na semana na UBS e não necessariamente atendem casos suspeitos de covid, ao invés de ofertar acesso a vacina para os recepcionistas ou agentes comunitários de saúde que estão expostos diariamente e têm muito menos condições de se proteger. Nesses casos, a diferença entre os profissionais que justifica um receber a vacina e o outro não é que para um deles a sociedade atribui um "Dr." antes de seu nome.
Tenho certeza de que muitas das pessoas que tomaram a vacina têm críticas em relação a terem tido esse acesso prioritário e reconhecem que outros profissionais precisariam mais dela nesse momento. Até quero acreditar que algumas dessas pessoas se perguntaram se não poderiam ceder a sua dose para quem precisa mais - professores de escola pública, motoristas de ônibus, coveiros ou mesmo um profissional da saúde que diariamente lide com casos de covid, que não é ele mesmo.
Mas, há também quem tenha ficado bem feliz em garantir o seu e não tenha visto problema algum nessas situações de óbvia injustiça. Pelo contrário: 'se eu consegui ter acesso à vacina agora é porque eu mereci'. Classe social e privilégios diversos gritam mais alto.
Enfim, a baixíssima oferta de vacina é um problema enorme. A verdade é bastante simples: por enquanto não há vacina para todos e não há previsão precisa de se e quando haverá.
Eu desejo muita boa sorte aos gestores de unidades de saúde que são éticos e atentos à justiça social. Foi colocada na mão de vocês uma escolha impossível de se fazer. Ou esse problema é coletivizado, politizado e todos se implicam nele, criando um movimento amplo de demandar do poder público vacina para todos, ou qualquer decisão está fadada a algum grau de injustiça.
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