De volta para casa
- claudiabraga10
- 24 de mai. de 2021
- 2 min de leitura
Rubem Barroso, 83 anos, 59 anos depois ter sido colocado na antiga Colônia Juliano Moreira (um hospital psiquiátrico) a deixou, enfim, para viver em liberdade.
A Colônia Juliano Moreira chegou a ter o tamanho do bairro de Copacabana. As histórias desse lugar, muitas das quais contadas pelas pessoas que sobreviveram aos seus horrores e por familiares dessas pessoas, são horripilantes... Histórias de violência por parte da instituição e das estratégias mais desesperadas inventadas pelas pessoas - como a criação de um bordel no interior das dependência do manicômio - para sobreviver ao que a psiquiatria tradicional produzia em pacto com a sociedade.
Em 2019 conheci o que resta hoje da Colônia Juliano Moreira. Das mais de 4.000 pessoas que já estiveram ali, hoje, nas poucas edificações ainda em funcionamento, permanecem um pouco mais de 100 pessoas.
É difícil explicar, mas a Colônia Juliano Moreira, tal como está hoje, tem algo de diferente de outros manicômios. Todo manicômio é meio parecido: a estrutura, o cheiro, as relações, as práticas... É uma instituição que se repete de uma tal maneira que, tendo conhecido um, já se tem uma boa noção de como são todos.
Mas, o que resta da Colônia é algo diferente: é um manicômio em decadência. As dimensões físicas das estruturas foram reduzidas, mas as pessoas seguem em estranhos "quartos" coletivos em que a singularidade de cada um tem baixíssima expressão. As pessoas podem sair durante o dia para atividades diversas, incluindo frequentar o CAPS, mas retornam à noite para uma vida institucional. Muitas pessoas, já idosas e com dificuldades várias, não saem - daí ser comum ver durante o dia as pessoas simplesmente sentadas na varanda ou perambulando. Os trabalhadores buscam produzir cuidado, mas sabemos bem que é uma insuperável contradição cuidar em um manicômio.
E nesse manicômio em decadência o que vemos são pessoas que sobreviveram a algo e, de certa maneira, estão ainda sobrevivendo.
Nós, defensores da reforma psiquiátrica e da dignidade humana, precisamos ser absolutamente francos e firmes: não é aceitável que ainda estejam lá mais de 100 pessoas, muitas das quais são muito idosas. Não queremos que as pessoas apenas sobrevivam ao horror do manicômio, mas que vivam uma vida boa em casas dignas, que se reencantem com o mundo em um cotidiano de trocas nos espaços reais da cidade, que sonhem com algo melhor e que tenham condições de realizar esses sonhos. É o que é justo.
Claro, os desafios de fazer a reforma psiquiátrica no município do Rio de Janeiro foram e são colossais, pois esse era o município com o maior número de manicômios do país - não sem razão é, hoje, o com o maior número de Serviços Residenciais Terapêuticos. Mas é preciso para ontem garantir uma vida digna e em plena liberdade para as pessoas que ainda estão no que resta da Colônia.
Que Rubem possa, depois de quase 60 anos em um manicômio viver uma vida boa.
Será sempre tarde.
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