18 de maio - Brasil e Trieste
- claudiabraga10
- 18 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Vestindo um sobretudo e com um banco de jardim nas mãos, junto com outros, está Franco Basaglia. O ano era 1973 e a foto registra o momento em que estavam tentando derrubar um portão para que Marco Cavallo, um enorme cavalo azul feito de madeira e papel machê, pudesse sair do hospital psiquiátrico de Trieste para ocupar o território da cidade. Marco Cavallo é uma ideia de que outro mundo possível e é uma obra coletiva construída no interior das práticas de desinstitucionalização. O cavalo azul continha em sua pança desejos, sonhos e necessidades e os carregava para o território comum da cidade. A história de Marco Cavallo, que merece ser contada em outro momento na íntegra, é um marco da ruptura dos muros reais e simbólicos do manicômio.
Em 1978 foi promulgada a lei 180 na Itália, conhecida como lei Basaglia. Essa lei criou base legal e dotou de importante institucionalidade um processo para transformação da realidade e de afirmação dos direitos e da cidadania das pessoas com experiência de sofrimento psíquico. A experiência de desinstitucionalização italiana teve e tem grande influência na reforma psiquiátrica brasileira. É de uma feliz coincidência que na mesma semana em que lá se celebra a lei, aqui celebramos no dia 18 de maio a luta antimanicomial.
Sobre a lei 180, a meu ver, essa é uma das mais fortes leis em saúde mental que temos no mundo. A sua força consiste não apenas pelo texto da lei, mas porque foi instituída no contexto de um percurso prático de transformação. O alicerce da lei é a experiência concreta, a demonstração de que dá para fazer. Ainda, tem força porque sua implementação se deu sem a ilusão de que uma transformação da realidade poderia se sustentar apenas nos aparatos institucionais e burocráticos. Sabia-se que era preciso que o desejo e a coragem de superar o manicômio e a forma tradicional de relação com a loucura se desse nos contextos locais. Como Basaglia afirmou sobre essa lei, uma norma legal pode permitir e criar condições para a superação do manicômio e a transformação de uma realidade, mas não poderá nunca garantir isso. Quem transforma a realidade são as pessoas e os movimentos sociais e políticos nos contextos locais.
Nessas trocas com a experiência italiana, do lado de cá e em um contexto político tenebroso de desmonte de instituições, podemos tomar essa experiência como lembrança de que é no cotidiano das práticas dos serviços territoriais substitutivos ao manicômio que se sustenta a reforma psiquiátrica e se garante os direitos e a cidadania. Quem garante o avanço da reforma psiquiátrica são pessoas - usuários, trabalhadores, familiares e outras tantas pessoas - com práticas concretas em serviços locais e no território da cidade. Vamos continuar fazendo a reforma psiquiátrica, sustentando formas de relação com a experiência de sofrimento psíquico que produzem e garantem cidadania porque vamos insistir em práticas de transformação no cotidiano.
O dia 18 de maio é a afirmação da ideia de que outro mundo é possível e é, também, um projeto coletivo. A gente segue em frente com tudo o que já realizou e, como diz Galeano, sabendo que esse mundo tenebroso está grávido de outro mundo possível.
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